segunda-feira, 20 de abril de 2009

Cobras e Piercings

Traduzido do japones.
Autora: Hitomi Kamehara

Um livro interessante e atual. Meu gosto por literatura nao me faz muito intelectual mas me deixa mais intelectualizado. Nao tenho tempo pra postar tudo de uma vez, entao vou pondo aos poucos. Lembrem-se de ler o capitulo anterior primeiro. Vou classificar por numero de partes pra facilitar a leitura de quem nao acompanha de perto esse blog. Obrigado a todos.

Cobras e Piercings (Part 1)

- Ja ouviu falar em Split tongue?
- O que e isso? Lingua bifurcada?
- Exatamente. Tipo a de cobras, lagartos e outros repteis. So que, noutra especie de bixo.
O homem tirou tranquilamente o cigarro dos labios e colocou a lingua para fora. De fato, a ponta se partia em duas, a semelhanca da lingua de uma cobra. Percebendo que eu a observava fascinada, levantou com destreza a parte direita da lingua inserindo o cigarro entre as duas metades.
- Incrivel!!!
Foi o meu primeiro contato com uma Split tongue.
- Nao quer experimentar uma dessas? - ele falou e, involuntariamente, me vi concordando com a sugestao do cara.
So gente muito pirada faz Split tongue. O pessoal costuma chamar isso de body modification. Mas isso nao me fez parar de ouvi-lo enquanto me explicava como se faz. Colocam um piercing na lingua e usam alargadores para expandir gradualmente o orificio, depois amarrando a extremidade restante com um fio dental ou linha de pescar. Por ultimo cortam esse pedaco com bisturi ou navalha para concluir a bifurcacao lingual. Foi essa a explicacao que ele me deu sobre o procedimento. A maioria das pessoas faz body modification dessa forma, mas algumas se cortam diretamente com o bisturi, sem sequer por o piercing no meio da lingua.
- Mas isso ai e seguro. Quero dizer, as pessoas nao costumam morrer se cortarem a lingua fora? - indaguei.
- Cauterizando. A hemorragia estanca. Esse e o metodo mais rapido. Mas no meu caso usei piercing. Apesar de demorar mais, pode-se obter uma fissura mais bonita do que quando se corta abruptamente. - respondeu o homem-cobra, aparentando indiferenca.
Senti um arrepio ao imaginar a cena de uma lingua ensanguentada recebendo um ferro de cauterizacao. No momento tenho dois piercings na orelha direita, ambos de 0ga, e piercings na orelha esquerda, de baixo para cima, medinfo 0ga, 2ga e 4ga. O tamanho dos piercings e medida em unidades de gauge, cuja abreviatura e ga. quanto menos o gauge, mais grosso e o piercing. O primeiro que se poe na orelha tem em geral 14ga e 16ga, correspondendo a aproximadamente 1,5mm de expessura. Acima de 0ga existe o 00ga com cerca de 9,5mm de expessura. Os piercings maiores que isso ultrapassam 1cm e sao medidos em termos de fracoes. Mas, para ser sincera, quando o piercing ultrapassa 00ga, parece coisa de indio ai ja nao e mais questao de ficar feio ou bonito. Senti uma dor violenta quando fiz o alargamento da minha orelha e era incapaz de im aginar o quao dolorido seria alargar uma lingua. Eu so usava piercings de 16ga, mas comecei o processo de alargamento depois de conhecer num clube noturno uma moca dois anos mais velha que eu, chamada Eri, e me encantar com os piercings de 00ga que ela ostentava. Quando elogiei seus piercings, dizendo que eram lindos, ela me deu dezenas deles de perzente, em tamanhos que variavam de 0ga a 12ga. Foi tranquilo passar de 16ga para 6ga. Contudo, mudar de 4ga para 2ga e de 2ga para 0ga foi o que se pode chamar de verdadeiro alargamento: o orificio sangrava, o lobulo da orelha entumescia e se avermelhava. O entorpecimento causado pela dor durou de dois a tres dias. Demorou tres meses ate eu chegar finalmente ao de 00ga. Herdei a filosofia de Eri, segundo a qual "nao se deve usar alargador". Eu pensava justamente em experimentar um de 00ga na noite em que conheci o cara da lingua partida. Eu ja estava viciada em alargamentos e acho que isso alimentou meu interesse por aquela conversa toda sobre Split tongue. Notei que o cara tambem adorava falar daquilo.
Alguns dias depois, Ama, o homem-cobra, me levou a Desire - uma loja meio punk, que fica no subsolo de um predio afastado da area comercial da cidade. O que mais me chamou a atencao, logo na entrada, foi a foto em close de uma vagina. Havia piercings nos labios vulvares. Alem dessa, nas paredes, viam-se fotos de escrotos, tambem ornados de piercings, alem de outras tatuagens. Conforme se avancava para o interior do local, pecas de joalheria e acessorios estavam em exibicao, juntamente com chicotes e caixas com consolos. Na minha opiniao, era o tipo de loja feita para pervertidos.
Ama chamou e uma cabeca surgiu de traz do balcao. Ele era um skinhead de uns vinte e quatro ou vinte e cinco anos,com a tatuagem de um dragao enrolado no proprio rabo tatuado na parte de tras da careca.
- E ai, Ama. Cara, faz seculos que voce nao da as caras por aqui.
- Lui, este e Shiba. Esta loja e dele. Shiba, esta aqui e minha namorada.
Para dizer a verdade, eu nao me considerava a "namorada" de Ama, mas resolvi calar a boca e cumprimentei Shiba com um gesto de cabeca.
- Quem diria, heim. Conseguiu fisgar uma bem bonitinha.
Fiquei um pouco tensa.
- Viemos hoje para fazer um piercing na lingua dela.
- Hummm. Quer dizer que patricinhas tam furam a lingua e? - disse Shiba, olhando para mim com curiosidade.
- Nao sou patricinha.
- Ela tambem quer fazer Split tongue - Ama completou, rindo, como se nao estivesse escutado o que eu acabara de dizer. Lembrei-me de terem me dito em uma loja de piercings que, depois do vaginal, o lingual e o mais dolorido. Comecei a duvidar se deveria entregar a tarefa a um punk como Shiba.
- Chega aqui. Me mostra a lingua.
Aproximei-me do balcao e coloquei a lingua para fora. Shiba se inclinou ligeiramente.
- E bem fina. Nao deve doer muito, nao.
Senti um pouco de alivio ao ouvir isso.
- Mas, no caso de carne assada, depois das tripas, a parte mais dificil de mastigar nao e justamente a lingua? - perguntei.
Considerava ja a algum tempo se seria realmente seguro abrir um orificio em uma parte tao complexa do corpo.
- Garota, voce saca bem dessas coizas. Bem, e claro que doi, se comparado a orelha. Quer dizer, um pouco. Afinal, voce vai abrir um buraco na lingua, isso tem que doer.
- Shiba, nao assusta a menina desse jeito. Lui, fique fria, se eu fiz, voce tambem consegue fazer.
- Lembre que voce desmaiou na ora, Ama... Bem, esquece. Vem pra ca com essa lingua.
Shiba me indicou a parte trazeira do balcao, rindo pra mim com um jeito meio torto. Seu rosto era coberto de piercings: palpebras, sobramcelhas, nariz, labios, buchechas. Era impossivel identificar sua expressao fisionomica por traz de tanto metal, o que me impedia de imaginar o que ele poderia estar pensando. Reparei tambem as costas de suas maos, cobertas de queloides de cicatrizacoes. Por um momento imaginei que eram resultado de uma queimadura unica. Mas, observando melhor, meio que de soslaio, notei que ram varias, cada qual formada por um circulo de cerca de um centimetro de diametro. Certamente as cicatrizes provinha de imolacoes levadas a cabo por pontas de cigarro acesa. E um doido varrido, pensei.
Ama tinha sido a primeira pessoa dessa tribo que eu conhecera. E agora havia Shiba, que nao tinha uma Split tongue, mas ostentava aquela ameacadora profusao de piercings espalhados por todo o rosto. Entrei com Ama na sala dos fundos e Shiba me indicou uma cadeira de tubos metalicos. Sentei-me e vasculhei o comodo com o olhar. Havia nele uma cama, alguns instrumentos estranhos e, pelas paredes, obviamente, fotos indecentes.
- Tambem trabalha com tatuagens aqui? - perguntei.
- Sim. Sou tatuador tambem. mas essa daqui quem fez foi outra pessoa. - disse Shiba, apontando para a propria cabeca.
- Foi aqui que eu me tatuei. - Ama falou.

continua...

domingo, 12 de abril de 2009

A ELEGÂNCIA DO COMPORTAMENTO

Existe uma coisa difícil de ser ensinada e que, talvez por isso, esteja cada vez mais rara: a elegância do comportamento.
É um dom que vai muito além do uso correto dos talheres e que abrange bem mais do que dizer um simples obrigado diante de uma gentileza.
É a elegância que nos acompanha da primeira hora da manhã até a hora de dormir e que se manifesta nas situações mais prosaicas, quando não há festa alguma nem fotógrafos por perto.
É uma elegância desobrigada.
É possível detectá-la nas pessoas que elogiam mais do que criticam.
Nas pessoas que escutam mais do que falam.
E quando falam, passam longe da fofoca, das maldades ampliadas no boca a boca.
É possível detectá-las nas pessoas que não usam um tom superior de voz.
Nas pessoas que evitam assuntos constrangedores porque não sentem prazer em humilhar os outros.
É possível detectá-la em pessoas pontuais.
Elegante é quem demonstra interesse por assuntos que desconhece, é quem cumpre o que promete e, ao receber uma ligação, não recomenda à secretária que pergunte antes quem está falando e só depois manda dizer se está ou não está.
É elegante não ficar espaçoso demais.
É elegante não mudar seu estilo apenas para se adaptar ao de outro.
É muito elegante não falar de dinheiro em bate-papos informais.
É elegante retribuir carinho e solidariedade.
Sobrenome, jóias, e nariz empinado não substituem a elegância do gesto.
Não há livro que ensine alguém a ter uma visão generosa do mundo, a estar nele de uma forma não arrogante.
Pode-se tentar capturar esta delicadeza natural através da observação, mas tentar imitá-la é improdutivo.
Educação enferruja por falta de uso.
"LEMBRE-SE de que colheremos, infalivelmente aquilo que houvermos semeado.
Se estamos sofrendo, é porque estamos colhendo os frutos amargos das sementeiras errôneas. Fique alerta quanto ao momento presente. Plante apenas sementes de sinceridade e de amor, para colher amanhã os frutos doces da alegria e da felicidade. Cada um colhe, exatamente, aquilo que plantou."

Lovani Bido